terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

EXPOSIÇÃO #05 ENCONTRO: entre a paisagem e a abstracção

Encontro: entre a paisagem e a abstracção
Janeiro 2010_Luísa Especial

A presente exposição desenvolve-se a partir do núcleo constituído pelas fotografias que integraram a colecção BESart durante o passado ano. Ao observar tal novo e fecundo conjunto de obras, evidenciaram-se dois eixos potencialmente comunicantes. O primeiro, amplo campo de trabalho artístico, situa-se em torno da paisagem; o segundo, categoria adveniente ou entrecruzada com a história da pintura, corresponde a obras que se posicionam nos domínios da abstracção. É sabido que ambos comportam linhagens complexas, remotas e abrangentes. Apesar de labelizada de não-objectiva, na abstracção, assim como na representação da paisagem, os artistas partem sempre do que existe: veiculam, desse modo, as omnipresentes questões do real fotográfico, da subjectividade do olhar e da inconsistência entre conceito e a sua representação.


A fotografia abstracta existe praticamente desde as origens da própria fotografia, fruto de experiências intencionais ou fortuitas com elementos como a luz, a água, a cor ou a velocidade. Essas experiências iniciais revelaram-se fundamentais para testar as vastas possibilidades do âmbito fotográfico.

Nascida no início do século XX, a pintura abstracta gozou de uma enorme esfera de possibilidades e ramificações. Por ela passaram, ainda que temporariamente, várias correntes da arte moderna; e ganhou um novo fôlego depois dos anos 60. Houve, segundo Johannes Meinhardt, várias etapas no seu extenso percurso: as operações de redução, simplificação, geometrização e estilização do figurativo; a autonomia da superfície pictórica, constituída pela cor, pela forma e pela linha; a ausência de legibilidade figurativa, intelectual ou simbólica da obra; e a pintura pura e essencial liberta de toda a referencialidade. Tratou-se de uma nova abordagem artística, verdadeiramente ruptural. A interinfluência entre a fotografia e a pintura passou a ser uma constante.


Ecos daqueles princípios basilares podem captar-se nas obras em exposição, através de formulações multiformes que desafiam os limites técnicos e conceptuais da fotografia. É o caso das New Abstractions de James Welling, que dispensam a utilização da máquina fotográfica, realizadas a partir de recortes de papel colocados sobre negativos submetidos à exposição da luz, e que recordam a imagética suprematista de Kasimir Malevich.


Veiculadora de estados meditativos e repleta de elementos geometrizantes, soma entre o natural e o património construído pelo Homem, a paisagem afigura-se como uma via privilegiada para a abstracção.

O encontro entre a paisagem e a abstracção testemunha-se nitidamente em Maleza, 2004, de Ignasi Aballí. Os silvados extintos pelo rigor do Inverno, mantêm o seu intrínseco modo defensivo. De acordo com o artista, a série lembra a pintura de Jackson Pollock, expoente do expressionismo abstracto. A tónica na espacialidade dos lugares de transição de James Casebere e de Pertti Kekarainen, o rigor formal e a austeridade das imagens das construções urbanas de Gerold Tagwerker, são exemplos de trabalhos onde uma dimensão escultural da arquitectura assume enorme relevo.

A contemplação da natureza nas obras de Raquel Feliciano e de Kimsooja, o alinhamento dos horizontes de Sze Tsung Leong e o majestoso potencial metafórico dos corpos ovais de Edgar Leciejewski, relacionam-se com a redução e a separação, através de linhas concretas de superfície: entre o céu e a terra, o visível e o invisível, o interior e o exterior. A observação da impermanência do mundo que nos rodeia potencia, nestas obras, uma percepção abstractizante do mesmo.

As estratégias que projectam as possíveis pontes e estabelecem o encontro entre a paisagem e a abstracção nas obras em exposição são plurais: a aproximação, o distanciamento e a ocultação (Ignasi Aballí, Albano Afonso, José Pedro Cortes, Mike Kelley, Kimsooja, Edgar Leciejewski, Sze Tsung Leong, Grazia Toderi); a criação de ilusões ou simulacros através da manipulação da escala e do uso da luz (James Casebere, James Welling); a proeminência dos espaços e das arquitecturas descontextualizadas (Carla Cabanas, Roland Fischer , Pertti Kekarainen, Jörg Sasse, Gerold Tagwerker); a edição da imagem e o questionamento da sua autenticidade (Bettina Pousttchi, Thomas Ruff, Júlia Ventura); e a idealização de intervenções na paisagem, marcas críticas de utopias pessoais (Carlos Garaicoa, Myong Ho Lee).


As obras apresentadas foram produzidas ao longo da última década. A presente exposição constitui uma ocasião para observar como se continua a entretecer e a revitalizar o longo diálogo entre a paisagem e a abstracção. É também mais um momento para verificar a multiplicidade de abordagens que o meio fotográfico alberga: longe de ficar confinado ao seu território, expande-se a todo o tipo de projectos.


IGNASI ABALLÍ (b. 1958, Espanha), “Maleza 3”, 2004



CARLOS GARAICOA (b. 1967, Cuba), “Para transformar la palavra política en hechos, finalmente II”, 2009

GRAZIA TODERI (Itália), "Orbite Rosse", 2009 (díptico).

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