Encontro: entre a paisagem e a abstracção
Janeiro 2010_Luísa Especial
A presente exposição desenvolve-se a partir do núcleo constituído pelas fotografias que integraram a colecção BESart durante o passado ano. Ao observar tal novo e fecundo conjunto de obras, evidenciaram-se dois eixos potencialmente comunicantes. O primeiro, amplo campo de trabalho artístico, situa-se em torno da paisagem; o segundo, categoria adveniente ou entrecruzada com a história da pintura, corresponde a obras que se posicionam nos domínios da abstracção. É sabido que ambos comportam linhagens complexas, remotas e abrangentes. Apesar de labelizada de não-objectiva, na abstracção, assim como na representação da paisagem, os artistas partem sempre do que existe: veiculam, desse modo, as omnipresentes questões do real fotográfico, da subjectividade do olhar e da inconsistência entre conceito e a sua representação.
A fotografia abstracta existe praticamente desde as origens da própria fotografia, fruto de experiências intencionais ou fortuitas com elementos como a luz, a água, a cor ou a velocidade. Essas experiências iniciais revelaram-se fundamentais para testar as vastas possibilidades do âmbito fotográfico.
Nascida no início do século XX, a pintura abstracta gozou de uma enorme esfera de possibilidades e ramificações. Por ela passaram, ainda que temporariamente, várias correntes da arte moderna; e ganhou um novo fôlego depois dos anos 60. Houve, segundo Johannes Meinhardt, várias etapas no seu extenso percurso: as operações de redução, simplificação, geometrização e estilização do figurativo; a autonomia da superfície pictórica, constituída pela cor, pela forma e pela linha; a ausência de legibilidade figurativa, intelectual ou simbólica da obra; e a pintura pura e essencial liberta de toda a referencialidade. Tratou-se de uma nova abordagem artística, verdadeiramente ruptural. A interinfluência entre a fotografia e a pintura passou a ser uma constante.
Ecos daqueles princípios basilares podem captar-se nas obras em exposição, através de formulações multiformes que desafiam os limites técnicos e conceptuais da fotografia. É o caso das New Abstractions de James Welling, que dispensam a utilização da máquina fotográfica, realizadas a partir de recortes de papel colocados sobre negativos submetidos à exposição da luz, e que recordam a imagética suprematista de Kasimir Malevich.
Veiculadora de estados meditativos e repleta de elementos geometrizantes, soma entre o natural e o património construído pelo Homem, a paisagem afigura-se como uma via privilegiada para a abstracção.
O encontro entre a paisagem e a abstracção testemunha-se nitidamente em Maleza, 2004, de Ignasi Aballí. Os silvados extintos pelo rigor do Inverno, mantêm o seu intrínseco modo defensivo. De acordo com o artista, a série lembra a pintura de Jackson Pollock, expoente do expressionismo abstracto. A tónica na espacialidade dos lugares de transição de James Casebere e de Pertti Kekarainen, o rigor formal e a austeridade das imagens das construções urbanas de Gerold Tagwerker, são exemplos de trabalhos onde uma dimensão escultural da arquitectura assume enorme relevo.
A contemplação da natureza nas obras de Raquel Feliciano e de Kimsooja, o alinhamento dos horizontes de Sze Tsung Leong e o majestoso potencial metafórico dos corpos ovais de Edgar Leciejewski, relacionam-se com a redução e a separação, através de linhas concretas de superfície: entre o céu e a terra, o visível e o invisível, o interior e o exterior. A observação da impermanência do mundo que nos rodeia potencia, nestas obras, uma percepção abstractizante do mesmo.
As estratégias que projectam as possíveis pontes e estabelecem o encontro entre a paisagem e a abstracção nas obras em exposição são plurais: a aproximação, o distanciamento e a ocultação (Ignasi Aballí, Albano Afonso, José Pedro Cortes, Mike Kelley, Kimsooja, Edgar Leciejewski, Sze Tsung Leong, Grazia Toderi); a criação de ilusões ou simulacros através da manipulação da escala e do uso da luz (James Casebere, James Welling); a proeminência dos espaços e das arquitecturas descontextualizadas (Carla Cabanas, Roland Fischer , Pertti Kekarainen, Jörg Sasse, Gerold Tagwerker); a edição da imagem e o questionamento da sua autenticidade (Bettina Pousttchi, Thomas Ruff, Júlia Ventura); e a idealização de intervenções na paisagem, marcas críticas de utopias pessoais (Carlos Garaicoa, Myong Ho Lee).
As obras apresentadas foram produzidas ao longo da última década. A presente exposição constitui uma ocasião para observar como se continua a entretecer e a revitalizar o longo diálogo entre a paisagem e a abstracção. É também mais um momento para verificar a multiplicidade de abordagens que o meio fotográfico alberga: longe de ficar confinado ao seu território, expande-se a todo o tipo de projectos.
Janeiro 2010_Luísa Especial
A presente exposição desenvolve-se a partir do núcleo constituído pelas fotografias que integraram a colecção BESart durante o passado ano. Ao observar tal novo e fecundo conjunto de obras, evidenciaram-se dois eixos potencialmente comunicantes. O primeiro, amplo campo de trabalho artístico, situa-se em torno da paisagem; o segundo, categoria adveniente ou entrecruzada com a história da pintura, corresponde a obras que se posicionam nos domínios da abstracção. É sabido que ambos comportam linhagens complexas, remotas e abrangentes. Apesar de labelizada de não-objectiva, na abstracção, assim como na representação da paisagem, os artistas partem sempre do que existe: veiculam, desse modo, as omnipresentes questões do real fotográfico, da subjectividade do olhar e da inconsistência entre conceito e a sua representação.
A fotografia abstracta existe praticamente desde as origens da própria fotografia, fruto de experiências intencionais ou fortuitas com elementos como a luz, a água, a cor ou a velocidade. Essas experiências iniciais revelaram-se fundamentais para testar as vastas possibilidades do âmbito fotográfico.
Nascida no início do século XX, a pintura abstracta gozou de uma enorme esfera de possibilidades e ramificações. Por ela passaram, ainda que temporariamente, várias correntes da arte moderna; e ganhou um novo fôlego depois dos anos 60. Houve, segundo Johannes Meinhardt, várias etapas no seu extenso percurso: as operações de redução, simplificação, geometrização e estilização do figurativo; a autonomia da superfície pictórica, constituída pela cor, pela forma e pela linha; a ausência de legibilidade figurativa, intelectual ou simbólica da obra; e a pintura pura e essencial liberta de toda a referencialidade. Tratou-se de uma nova abordagem artística, verdadeiramente ruptural. A interinfluência entre a fotografia e a pintura passou a ser uma constante.
Ecos daqueles princípios basilares podem captar-se nas obras em exposição, através de formulações multiformes que desafiam os limites técnicos e conceptuais da fotografia. É o caso das New Abstractions de James Welling, que dispensam a utilização da máquina fotográfica, realizadas a partir de recortes de papel colocados sobre negativos submetidos à exposição da luz, e que recordam a imagética suprematista de Kasimir Malevich.
Veiculadora de estados meditativos e repleta de elementos geometrizantes, soma entre o natural e o património construído pelo Homem, a paisagem afigura-se como uma via privilegiada para a abstracção.
O encontro entre a paisagem e a abstracção testemunha-se nitidamente em Maleza, 2004, de Ignasi Aballí. Os silvados extintos pelo rigor do Inverno, mantêm o seu intrínseco modo defensivo. De acordo com o artista, a série lembra a pintura de Jackson Pollock, expoente do expressionismo abstracto. A tónica na espacialidade dos lugares de transição de James Casebere e de Pertti Kekarainen, o rigor formal e a austeridade das imagens das construções urbanas de Gerold Tagwerker, são exemplos de trabalhos onde uma dimensão escultural da arquitectura assume enorme relevo.
A contemplação da natureza nas obras de Raquel Feliciano e de Kimsooja, o alinhamento dos horizontes de Sze Tsung Leong e o majestoso potencial metafórico dos corpos ovais de Edgar Leciejewski, relacionam-se com a redução e a separação, através de linhas concretas de superfície: entre o céu e a terra, o visível e o invisível, o interior e o exterior. A observação da impermanência do mundo que nos rodeia potencia, nestas obras, uma percepção abstractizante do mesmo.
As estratégias que projectam as possíveis pontes e estabelecem o encontro entre a paisagem e a abstracção nas obras em exposição são plurais: a aproximação, o distanciamento e a ocultação (Ignasi Aballí, Albano Afonso, José Pedro Cortes, Mike Kelley, Kimsooja, Edgar Leciejewski, Sze Tsung Leong, Grazia Toderi); a criação de ilusões ou simulacros através da manipulação da escala e do uso da luz (James Casebere, James Welling); a proeminência dos espaços e das arquitecturas descontextualizadas (Carla Cabanas, Roland Fischer , Pertti Kekarainen, Jörg Sasse, Gerold Tagwerker); a edição da imagem e o questionamento da sua autenticidade (Bettina Pousttchi, Thomas Ruff, Júlia Ventura); e a idealização de intervenções na paisagem, marcas críticas de utopias pessoais (Carlos Garaicoa, Myong Ho Lee).
As obras apresentadas foram produzidas ao longo da última década. A presente exposição constitui uma ocasião para observar como se continua a entretecer e a revitalizar o longo diálogo entre a paisagem e a abstracção. É também mais um momento para verificar a multiplicidade de abordagens que o meio fotográfico alberga: longe de ficar confinado ao seu território, expande-se a todo o tipo de projectos.
Sem comentários:
Enviar um comentário